Este cenário começa a mudar, no Brasil, a partir do começo da década de 1970, e essa mudança causou grande impacto, não apenas no Cristianismo Evangélico, como também na forma como as pessoas fora do contexto evangélico passaram a enxergar a figura do Pastor. As igrejas, que eram lugares de reuniões religiosas e comunitárias, foram transformadas em lugares onde as pessoas seriam exploradas financeiramente, oprimidas espiritualmente e lesadas psicologicamente. A descoberta de que, através de um grande número de seguidores, era possível tornar-se rico, poderoso e famoso, fez com que muitos líderes abandonassem seus compromissos sacerdotais, para lançarem-se na desenfreada corrida por Dinheiro, Fama e Poder.
Desde então esse filão tem crescido assustadoramente. Um grande número das novas gerações de “pastores”, na verdade, são Executivos da Fé, treinados em liderança de multidões, eloquência, e capacitados para fazer rebanhos inteiros obedecerem cegamente, em prol de megaprojetos para controle de veículos de comunicação, economia, e política. Se o perfil do Pastor mudou, o mesmo aconteceu com as Igrejas. A Administração Eclesiástica, outrora voltada para a edificação e manutenção da comunidade, deu lugar a um modelo de Gestão Empresarial, onde o objetivo é o crescimento econômico, e isto passa, obrigatoriamente, pelo aumento dos frequentadores dispostos a contribuir financeiramente, muitas vezes de forma sacrificial, atraídos pela promessa de prosperidade. Para alcançar este objetivo, os rebanhos são “discipulados” para obedecer inquestionavelmente esses líderes, sob pena de entrarem em “maldição”.
Na década de 1980 um pequeno livro fez enorme sucesso nos seminários Batistas do Brasil. Intitulada “O Ministro Evangélico – Sua Identidade e Integridade”, a obra tornou-se um clássico da literatura acadêmica cristã, pois abordava as características que o Obreiro (e aqui temos que tratar no masculino mesmo, pois à época, mulheres não exerciam o pastorado) deveria ter no exercício do Ministério. O autor, Merval Rosa, Doutor em Psicologia e Pastor Batista, recentemente falecido em Recife, alertava para o Compromisso que o Pastor deveria ter com o Rebanho, e a importância de sua conduta exemplar perante a Sociedade, demonstrada através do cuidado com as pessoas, comportamento ético, e equilíbrio nos posicionamentos.
Analisando a conduta pós-moderna de parte das lideranças evangélicas brasileiras, à luz das Escrituras, mais precisamente de Jeremias 3:15, encontramos um desafio de, inicialmente, aprofundar o entendimento sobre o que realmente é ser um Pastor, e também nos deparamos com a Divergência entre o que o Texto propõe, e a conduta de tais “ministros”.
Antes de mais nada o Pastor é uma pessoa que sente-se Vocacionada (ou chamada por Deus, como tradicionalmente se diz). Essa vocação não é uma chancela para manipular o rebanho, mas, antes, o Chamado a Servir à Comunidade, e este Serviço (segundo propõe o Texto Sagrado) não é algo meramente filantrópico. O exercício pastoral é caracterizado por Ciência – no sentido de Conhecimento, busca pelo saber; e Inteligência – no sentido de que suas ações sejam efetivas, práticas e edificantes para a comunidade. Dois aspectos que convergem claramente com as características descritas por Merval Rosa em seu livro.
O texto bíblico sugere que o Pastor seja alguém que tenha Sensibilidade, não apenas espiritual, como também humana, de modo a exercer a Empatia diante do Rebanho, e, com isto, ser um Facilitador da espiritualidade das pessoas, indo com elas os passos necessários, não para torna-las eternas dependentes, mas ensinando-as a caminhar firmemente com os próprios pés; abri-lhes os olhos para a incessante busca por conhecer as verdades que se desafiam diante de uma vida de incertezas.
Por outro lado, tamanha dedicação aos fiéis que frequentam a igreja, não deve pressupor que esse líder seja alguém alijado “do mundo”, mas, antes, alguém antenado com o que acontece ao redor, agindo e incentivado ações que promovam Valores que visem, sobretudo o Bem Estar de todos/as, e isto passa por uma vida de Serviço ao próximo, ao invés de um viver que se sirva do próximo. Desta forma, entende-se que Servir é outra importante característica do Obreiro.
O melhor Exemplo de Pastor que podemos ter é o de Jesus Cristo. Como Deus, Ele tomou a forma humana, e, em Sua Caminhada, esteve ao lado das pessoas, principalmente aquelas que estavam alijadas do convívio social, por questões diversas, como raça, cor, sexo, gênero, econômica, etc. Este foi, não somente um gesto de Humildade, como também de Disposição em Servir. Aliás, o próprio Cristo afirma “Eu não vim para ser servido, mas para servir”. Aqueles/as que o procuravam, sempre traziam suas agruras, e n’Ele encontravam conforto e disposição para continuar a vida a partir de uma Nova Perspectiva.
Ainda de olho em Jeremias 3:15, vemos que Ciência e Sabedoria estão atrelados ao Caráter do Pastor segundo o Coração de Deus. Como vimos anteriormente, o Pastor não é apenas o líder de uma congregação; ele é um Formador de Opinião na Sociedade, que, de maneira geral, sempre espera/ouve o posicionamento/ações desse Obreiro sobre temas e acontecimentos que afetam a cidade, o estado, o país, e até o mundo. Disso decorre sua enorme responsabilidade, pois, a posição que ele toma afeta um público bem maior do que os membros de sua igreja.
Ora, levaríamos um tempo muito maior do que o que dispomos no momento explorando as dimensões de Ciência e Sabedoria, mas, podemos refletir sobre o tom Conciliador, Acolhedor, Pacificador, Fraterno, Libertador que vemos não apenas na fala, como também nas ações de Jesus Cristo, nosso exemplo de Pastor. Em sendo Ele o Modelo, torna-se mais fácil entender o significado de “vos darei Pastores segundo Meu Coração, que vos apascente com Ciência e Sabedoria”.
Assim, também, temos um pouco mais de luz na análise do perfil pastoral segundo o Coração de Deus, e, da mesma forma, conseguimos entender o que está por trás de muitos ditos “pastores” que agem nessa pós-modernidade, em nome de Deus, manipulando rebanhos, mas sem espírito de Servir, mas, servindo-se da obediência cega e irrestrita dos fiéis. Conseguimos, ainda, compreender a distância ética e moral entre os tais “pastores”, cuja
influência na Sociedade tem sido de um aproveitador da fé alheia em benefício próprio, daquele modelo que vemos no exemplo de Jesus Cristo. Por fim, à luz do que se pode entender do texto sagrado, vemos absoluta falta de Conhecimento e Sabedoria nas ações de grande parcela de líderes religiosos com títulos de “pastores”, cujos posicionamentos e/ou envolvimentos de alcance social, promovem distanciamento entre as pessoas, alimentam o ódio, preconceito, desrespeito.
Pastores? Temos milhares. Faltam-nos os que sejam segundo o Coração de Deus, e que nos apascente com Ciência e Sabedoria...
Cláudio Roberto Sena
Teólogo
Sem comentários:
Enviar um comentário