Sobre o CEPESC

Salvador, Bahia, Brazil
CEPESC - Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão. Nasceu do sonho, da utopia e da luta pela criação de um entidade que refletisse, a partir da perspectiva cristã e no contexto da diversidade cultural, social e religiosa brasileira e da Bahia, o mundo dos nossos dias de um modo abrangente e total, ou seja, nas suas dimensões social, econômica, política, educacional e religiosa. Por isso, adotou o lema Dignidade e plenitude da vida e da criação. Organizada em 23 de novembro de 1996, é uma entidade de caráter cultural, educacional, social e religioso. Tem como objetivos estimular, fazer e divulgar pesquisas no campo político, econômico, social, cultural e religioso e realizar trabalhos de educação, sociais, culturais e religiosos. Contato: 3266-5526

quarta-feira, 29 de maio de 2013

JUVENTUDE E RELIGIÃO


       

 Pr. Djalma Torres

Quero começar com uma consideração que julgo necessária nesta oportunidade. O enfoque do meu trabalho pastoral e teológico há algum tempo vem sendo o movimento ecumênico e o diálogo inter-religioso. O tema juventude está presente, mas não tem sido a minha preocupação por excelência. Ele é mais uma preocupação sócio-pastoral do que teológica.
Na fala sobre a juventude é mais prudente o uso do termo no plural. Há diferenças e desigualdades que estão presentes na experiência dos jovens, como questões de gênero, etnia, classe social, orientação sexual, escolaridade, local de moradia - o campo ou a cidade, - o centro ou a periferia -, da situação familiar e da inserção no mundo do trabalho, que pesam no momento de uma reflexão como esta.
De qualquer modo, para facilitar a compreensão e correndo sempre o risco de generalização, é possível dizer que a juventude é uma fase da vida em que a pessoa se acha historicamente entre a dependência familiar e a maturidade, reconhecida pela cultura como um modo de ser marcado pela autonomia, pela realização pessoal e pela participação consciente na sociedade e na história.
De acordo com o Censo de 2010, há mais de 37 milhões de brasileiros na faixa etária entre os 14 e 24 anos. É nessa fase da vida, que definimos como fase da juventude, que ela desperta a maior atenção de toda a sociedade contemporânea: nos espaços acadêmicos, nas políticas públicas, nos apelos comerciais, no esporte, na política partidária e na religião.
É essa força jovem que permite, especialmente nos grandes centros urbanos, reunir condições e capacidade de mobilização na luta por transformações, pelo novo, pela realização de seus desejos, sonhos e utopias,muitas vezes já adormecidos na vida do adulto.

A juventude de hoje está diante de desafios ainda maiores do que no passado: a consciência da necessidade de formação qualificada; a luta por um lugar para o exercício profissional num mundo de um mercado cada vez mais competitivo e exigente; as tentações da fuga para a droga, para a prostituição e para a religião, nos momentos de fracasso. Pode parecer estranho, mas a religião, em muitos casos, é uma fonte de fuga e alienação. Em outros, ela não merece confiança para o jovem, que tenta encontrar respostas para as suas inquietações em outras fontes.

Ademais, diante da constatação da existência de um mundo real, em transformações estupendas, econômicas, sociais, científicas e tecnológicas, muitas vezes o jovem (e não só ele) é induzido a um sentimento desolidão existencial sem precedentes na história.

Os desafios imensos, as tentações gigantescas, o sentimento de solidão, colocam o jovem numa encruzilhada séria de vida, em que a opção pode resultar na destruição de sua própria vida ou em sua realização plena. E a vida é um bem precioso, inalienável e sagrado.

Mas não só. As conquistas do mundo atual e o ingresso da sociedade na pós-modernidade têm levado o ser humano, e em especial o jovem, a observar que hoje não somente a religião, mas também a ciência tem formas de explicar a vida, os fenômenos humanos e do mundo. Assim, tudo parecia estar explicado e Marx e Nietzsche tinham razão. Deus havia perdido o lugar na vida humana.  O religioso cedia lugar ao secular.

Mas eis que a religião volta a ocupar espaço na vida humana, agora até em novas formas de relacionamento com o divino, em espaços comuns, fora dos lugares sagrados, mas que inspiram e enlevam, como na praia e no campo, em casa e nas praças públicas, numa demonstração de que a fé é uma realidade existencial, é uma experiência pessoal inerente ao ser humano.

Creio não existir incompatibilidade entre juventude e religiosidade. A religião faz parte da sua vida, compõe a sua identidade, ajuda-o na construção de sua cosmovisão do mundo e da sociedade. Essa construção, entretanto,se dá do jeito do jovem, ao seu modo, com a criação de formas inovadoras de expressar e de se relacionar com o divino.

Do lado da religião, é possível afirmar que em todas elas há um lugar especial para o jovem. Tradicionalmente há uma expectativa de sua adesão ao sacerdócio, ingresso em ordens religiosas, envolvimento em eventos de massa, em projetos pioneiros, aceite desafios e se submeta a sacrifícios.
E o mundo religioso tem se mobilizado. Ele oferece ao jovem uma infinidade de propostas, que inclui uma lista extensa de ofertas e exigências, a começar pela Igreja Católica, prosseguindo com as igrejas protestantes tradicionais, as igrejas pentecostais, as igrejas neo-pentecostais mais recentes, o islamismo, o budismo, o judaísmo, as religiões de origem asiática, o espiritismo, as religiões afro-brasileiras, as novas religiões, como o Santo Daime, Nova Era, além do fenômeno religioso atual da dupla e da múltipla pertença.
A dificuldade ou o impasse entre o jovem e a religião institucional reside nas exigências para o seguimento, como dogmas, doutrinas, normas, regras, etc. Não é, pois, sem razão, que cheguem a muitos milhões os jovens brasileiros sem-religião e os ateus, como bem demonstra o Censo de 2010, que constatou a existência de cerca de 15% de jovens sem religião e 2% de ateus, um contingente em torno de 30 milhões.
O universo da juventude de hoje, visto sob o olhar religioso, compreende quatro grupos diferentes: os religiosos confessionais, os religiosos sem vinculação religiosa oficial, os sem religião e os ateus. Tenho sido testemunha de muitos exemplos dos diversos grupos que estou citando.
Há de se registrar, em termos positivos, que o seguimento religioso, não deixa de ser positivo para o jovem. É fato que nas escolas e universidades, nos grupos sociais e na participação em organizações da sociedade, jovens que cultivam a vida religiosa se revelam mais sociáveis, mais desembaraçados no falar e com maior capacidade de sustentação de argumentos em debates, facilitando a sua vida mais tarde no exercício de atividades profissionais e de mobilização social.
Também a experiência religiosa ajuda o jovem a assumir valores e práticas com a solidariedade, a valorização da vida, a ecologia e os direitos humanos, entre outros.
No mundo cristão há muita dificuldade no acolhimento do jovem. Algumas igrejas não entraram ainda no mundo real e outras perderam o senso de ética e justiça. E usam recursos diversos para a conquista da juventude. Os exemplos saltam aos nossos olhos, como a realização de grandes eventos musicais, no estilo dos shows Gospel, acampamentos, encontros nacionais e internacionais, como a Jornada Mundial da Juventude a ser realizada pela Igreja Católica em julho próximo, no Rio de Janeiro, com uma expectativa de participação de 500 mil jovens de todo o mundo.
Outros exemplos são de igrejas que não fazem concessões e estão sobrevivendo, com adesões de jovens que se entregam aos apelos religiosos. Defendem modelos tradicionais, fundamentalistas, que tentam submeter o jovema suas doutrinas,  como são conhecidos os casos  sobre moral sexual e normas de conduta, presentes nos discursos católicos e em algumas vertentes protestantes.
Esse quadro geral dificulta a fidelidade do jovem a uma confissão religiosa. A resposta que temos é o afastamentoe a criação de modelos particulares de expressão de sua fé.
Um exemplo interessante está numa pesquisa realizada em 2008, pelo teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da PUC de São Paulo, sob o título “Religiosidade Jovem”, indicava que, de 520 universitários entrevistados, de 17 a 25 anos, 32% eram jovens sem religião.  Dos jovens sem religião da pesquisa, 12,2% se declararam agnósticos ou ateus e 19,8% crentes sem religião.

Algumas pesquisas que tenho acompanhado, textos que tenho lido, campanhas que tenho participado, a convivência com muitas religiões aqui na Bahia, em outras regiões do Brasil e fora do país, e a experiências de mais de quatro décadas de serviço pastoral me levam a crer que temos uma geração de jovens que dão valor à vida religiosa e a cultivam à sua maneira, ou em pequenos grupos, sem a preocupação de uma relação mais comprometida com uma expressão de fé oficial.

A religião ocupa espaço em sua vida e lhe provoca sentimentos místicos de adoração e de projeção para o transcendente. Ele, com elevadas exceções, pouco se enquadra no estreito espaço de uma confissão religiosa.

Salvador, Bahia, maio de 2013.
Pr. Djalma Torres

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