Anivaldo Padilha |
Sob a coordenação de Anivaldo
Padilha, metodista e membro do Conselho
Latino-Americano de Igrejas, um grupo de onze pesquisadores, especialistas em
questões religiosas e ligados à Comissão Nacional da Verdade, vem se reunindo
desde novembro em São
Paulo. Eles se dedicam a pesquisar as relações entre as
igrejas brasileiras e a ditadura militar.
O grupo trabalha neste momento com a revisão
da literatura já existente sobre o tema. Também estão sendo iniciadas pesquisas
em arquivos públicos. Numa segunda etapa serão colhidos depoimentos.
Padilha, que, militou na organização
de esquerda Ação Popular (AP), foi perseguido, encarcerado e obrigado a se exilar,
diz que a literatura existente destaca sobretudo o papel da resistência da
Igreja Católica à ditadura. Mas essa seria apenas uma parte da história. Entre
as lacunas existentes e que devem ser pesquisadas pelo grupo, aparecem as
questões do apoio que as igrejas deram à ditadura, principalmente antes de
1968, e o papel dos protestantes – ou evangélicos – naquele período histórico.
“As igrejas ajudaram a preparar o
clima político que levou ao golpe militar de 1964″, diz Padilha. Na avaliação
dele, só houve rompimento com a ditadura em 1968, quando ocorre a
institucionalização da tortura e padres começam a ser presos. A seguir, alguns
dos principais trechos da conversa com o coordenador do grupo.
O relatório do grupo vai focalizar as
perseguições que a Igreja Católica sofreu na ditadura?
Já existem muitas pesquisas e
informações sobre os setores da Igreja Católica que resistiram à ditadura e
sofreram perseguições por causa disso. Temos pouca coisa, porém, sobre a
resistência entre os protestantes. Vamos procurar mais informações sobre essa
questão.
As igrejas sempre se opuseram à
ditadura?
Não. Houve um período em que elas
apoiaram. Esse apoio aparece de forma evidente no material sobre a preparação
do golpe militar de 1964. Com o clamor anticomunista imposto ao Brasil naqueles
dias, as igrejas foram utilizadas como instrumento político a favor do golpe.
Ajudaram a preparar o clima que levou à derrubada do governo constitucional. As
manifestações da Marcha da Família com Deus pela Liberdade foram o melhor exemplo disso. Ingenuamente, ou
deliberadamente, as igrejas ajudaram a legitimar o golpe. Deram legitimidade
religiosa.
E após o golpe?
Os estudos apontam que logo após o
golpe não houve diferença entre as ações das igrejas protestantes e a católica:
todas continuaram contribuindo para a legitimação da ditadura. Por meio de
pronunciamentos e atos oficiais, bispos e cardeais apoiaram os golpistas até o
final de 1968, com a promulgação do Ato Institucional n.º 5 e a
institucionalização da tortura como método sistemático de interrogatório, a
prisão de padres e a implantação de um estado de terror. Foi nesse momento que
a hierarquia católica reagiu de forma firme contra a ditadura.
E os protestantes?
As principais lideranças das igrejas
protestantes continuaram apoiando o regime mesmo depois do AI-5. Foi só a
partir de um determinado momento, já na década de 1970, que começa a haver um
fortalecimento da oposição em setores protestantes e a sua aproximação com os
católicos. De maneira geral, tanto os católicos quanto os evangélicos, em
termos de instituição, tiveram posições dúbias em relação à ditadura. Não se
deve ignorar, porém, que desde antes do golpe existia um setor ecumênico que
apoiava as reformas de base que vinham sendo discutidas no Brasil e que se
opunham à intervenção militar. É preciso aprofundar a análise de todos esses
aspectos.
A hierarquia católica na Argentina
também apoiou a ditadura. Foi diferente daqui?
Na Argentina, a Igreja Católica
manteve seu apoio à ditadura militar do início até o final dela. Houve uma
colaboração muito forte com o regime ditatorial, especialmente por meio das
capelanias militares. Lá não houve só conivência ou omissão: foi sobretudo
colaboração. Os protestantes, talvez pelos sérios conflitos que tinham com as
instituições católicas argentinas, se opuseram ao golpe e depois tiveram um
papel importante na resistência à ditadura.
Quais as dificuldades do trabalho do
grupo de pesquisadores?
Nosso campo de pesquisa e
investigação é muito amplo. Não vamos ter condições de cobrir essa amplitude,
nem do ponto de vista geográfico, nem temático, dentro do prazo previsto. As
igrejas estavam presentes em toda a extensão territorial do País. Teremos que
fazer escolhas, buscar os casos emblemáticos, mais representativos do
comportamento das igrejas.
O senhor foi perseguido?
Sou metodista e participei do movimento ecumênico que,
desde a década de 50, vinha discutindo politicamente reformas para o Brasil. Eu
defendia as reformas de base reivindicadas em 1964. Por causa de minhas
posições políticas e de minha militância na AP, fui preso em 1970 e permaneci
um ano na prisão. Após ser libertado, tive que viver na clandestinidade até
1971, quando o cerco se fechou e fui obrigado a sair do Brasil. Passei pelo Uruguai, Argentina, Chile. Com o
apoio do mundo ecumênico internacional, mudei para os Estados Unidos, onde vivi
durante quase oito anos e, depois para Genebra, passando a atuar no Conselho
Mundial de Igrejas.
Fonte: www.koinonia.org.br
- Estadão entrevista Anivaldo Padilha,
sócio de KOINONIA
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