A
Carta do Laicismo, uma declaração de princípios, direitos e deveres
republicanos composta por 15 "mandamentos", está pendurada desde o
início desta semana em lugar bem visível nas mais de 55 mil escolas públicas
francesas, embora cerca de 8.800 colégios privados e mistos - na maioria católicos
- ficaram eximidos de exibi-la. A declaração, que será exposta desde o jardim
de infância até o bacharelado junto ao lema da República (Liberdade, Igualdade,
Fraternidade) e à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, é uma das
novidades da "refundação da escola republicana", a ambiciosa reforma
educacional promovida por François Hollande e elaborada pelo ministro da
Educação, Vincent Peillon, que foi aprovada em 8 de julho passado.
O
objetivo da carta é reforçar o ensino do laicismo e a promoção da igualdade
entre os alunos, embora o governo socialista tenha decidido adiar as aulas de
moral laica e cidadã para 2015.
O
texto, que salienta em seu artigo 14 a proibição de trajes ou distintivos
religiosos "de forma ostensiva", provocou críticas de alguns setores
da comunidade islâmica, que reúne 6 milhões de pessoas na França, porque
considera que faz referências demais ao véu islâmico, proibido na França desde
2004.
"Muita
gente tem uma representação errônea do laicismo", replicou o ministro
Vincent Peillon ao apresentar a carta à imprensa; "para alguns alunos, o
laicismo é hoje antes que mais nada uma proibição, uma ameaça, quando é
justamente o contrário. O laicismo é o que permite a cada um construir sua
própria liberdade, respeitando a dos demais."
A
carta afirma em seu artigo primeiro que a França é uma república
"indivisível, democrática, social e laica", que "garante a
igualdade diante da lei de todos os seus cidadãos" e "respeita todas
as crenças". O artigo 2º explica que "a República laica organiza a
separação entre religião e Estado" e lembra: "Não existe uma religião
de Estado". O terceiro estabelece que o laicismo "garante a liberdade
de consciência": "cada um é livre para crer ou não crer e pode
expressar livremente suas convicções".
O
sexto mandamento lembra que o laicismo na escola "oferece aos alunos as
condições para forjar sua personalidade, exercer seu livre-arbítrio e aprender
cidadania", e os "protege de todo proselitismo e toda pressão que os
impeça de fazer sua livre escolha". O sétimo garante a todos os estudantes
"o acesso a uma cultura comum e compartilhada". A Carta do Laicismo
também garante "a liberdade de expressão dos alunos" (artigo 8º), a
"rejeição de todas as violências e discriminações" e "a
igualdade entre meninas e meninos (artigo 9º), mas também obriga o pessoal
escolar a "transmitir aos alunos o sentido e os valores do laicismo"
(artigo 10º).
Os
artigos 13 e 14 lembram aos estudantes os limites de sua liberdade: não podem
"contestar os conteúdos do que lhes ensinam" nem "exibir
ostensivamente símbolos ou trajes religiosos", nem faltar às aulas
"alegando motivos religiosos ou políticos". O mais polêmico é o
artigo 14, que afirma: "Nos centros públicos, as regras da vida nos
diferentes espaços (...) respeitam o laicismo. É proibido usar signos ou
artigos de vestimenta com os quais os alunos manifestem ostensivamente sua
afiliação religiosa".
O
presidente do Conselho Francês do Culto Muçulmano, Dalil Boubakeur, disse que
esse artigo "se refere ao islã e lança um olhar oblíquo sobre a religião
muçulmana", e expressou seu temor de que os muçulmanos da França se sintam
"estigmatizados". Ao ser perguntado sobre a suposta islamofobia desse
texto, o ministro socialista descartou que se refira a uma religião concreta.
"Se equivocariam profundamente", afirmou Peillon. "O laicismo
não se refere a uma religião em particular, porque exatamente põe todas em
situação de igualdade. Na escola da República não se recebem pequenos
muçulmanos, pequenos judeus, pequenos protestantes ou pequenos agnósticos,
recebem-se alunos da República.
"As
primeiras críticas de educadores e pais incidiram em que o texto não aborda as
questões práticas relacionadas ao respeito pelo laicismo, como os cardápios dos
refeitórios e as comemorações religiosas.
O
defensor público francês, Dominique Baudis, decidiu que pedirá esclarecimentos
ao Conselho de Estado sobre a aplicação das normas laicistas: "É urgente
explicar as regras do jogo", afirmou, "sobretudo no que se refere a
dois assuntos: os auxiliares voluntários, os acompanhantes ocasionais, como as
mães, e os empregados do setor privado que trabalham nas creches subvencionadas
pelo Estado".
Volta
às aulas em números
Os
objetivos da reforma educacional socialista, promulgada na França em 8 de
julho, são permitir que os alunos aprendam mais, para que todos possam ter
êxito, e formar os cidadãos do futuro. A França tem neste momento 12,2 milhões
de alunos, 64.300 escolas públicas e privadas e 841.700 professores. Para o
novo ano letivo, o governo contratou 8.200 novos professores e assinou 28 mil
contratos subvencionados de auxiliares para três tarefas básicas: ajudar os
diretores, reforçar as escolas com dificuldades e melhorar a atenção aos alunos
incapacitados.
Com
o fim de favorecer a volta das mães ao mercado de trabalho, a escolarização é
antecipada para três anos e entra em vigor a semana de quatro dias e meio no
primário. A reforma eleva o número de dias de colégio, que passará dos atuais
144 por ano (o mais baixo dos 34 países da OCDE) para 180. A novidade afetará
este ano um em cada quatro escolares do primeiro grau, isto é, 1,3 milhão de
alunos.
O
Relatório Pisa de 2009 situa a França em 21º lugar no mundo em qualidade
educacional, apesar de ter um dos sistemas mais caros. O custo por aluno de
primeiro grau é de 5.870 euros, contra os 11.470 euros gastos no liceu geral e
tecnológico.
DEVERES DO ALUNO
REPUBLICANO
1.
A França é uma República indivisível, laica, democrática e social, que respeita
todas as crenças
2.
A República laica organiza a separação entre religião e Estado. Não há religião
de Estado
3.
O laicismo garante a liberdade de consciência. Cada um é livre para crer ou não
crer
4.
O laicismo permite o exercício da cidadania, conciliando a liberdade de cada um
com a igualdade e a fraternidade
5.
A República garante o respeito a seus princípios nas escolas
6.
O laicismo na escola oferece aos alunos as condições para forjar sua personalidade,
os protege de todo proselitismo e toda pressão que os impeça de fazer sua livre
escolha
7.
Todos os estudantes têm garantido o acesso a uma cultura comum e compartilhada
8.
A Carta do Laicismo também assegura a liberdade de expressão dos alunos
9.
É garantida a rejeição das violências e discriminações e a igualdade entre
meninas e meninos
10.
O pessoal escolar é obrigado a transmitir aos alunos o sentido e os valores do
laicismo
11.
Os professores têm o dever de ser estritamente neutros
12.
Os alunos não podem invocar uma convicção religiosa para discutir uma questão
do programa
13.
Ninguém pode rejeitar as regras da escola da República invocando sua afiliação
religiosa
14.
É proibido portar signos ou trajes com que os alunos manifestem ostensivamente
sua afiliação religiosa
15.
Por suas reflexões e atividades, os alunos contribuem para dar vida à laicidade
no seio de seu centro escolar.
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