Pr. Djalma Torres
Quero começar com uma consideração
que julgo necessária nesta oportunidade. O enfoque do meu trabalho pastoral e
teológico há algum tempo vem sendo o movimento ecumênico e o diálogo
inter-religioso. O tema juventude está presente, mas não tem sido a minha
preocupação por excelência. Ele é mais uma preocupação sócio-pastoral do que
teológica.
Na fala sobre a juventude é mais prudente o uso do
termo no plural. Há diferenças e desigualdades que estão presentes na experiência
dos jovens, como questões de gênero, etnia, classe social, orientação sexual, escolaridade,
local de moradia - o campo ou a cidade, - o centro ou a periferia -, da
situação familiar e da inserção no mundo do trabalho, que pesam no momento de
uma reflexão como esta.
De qualquer modo, para facilitar a compreensão e
correndo sempre o risco de generalização, é possível dizer que a juventude é
uma fase da vida em que a pessoa se acha historicamente entre a dependência familiar
e a maturidade, reconhecida pela cultura como um modo de ser marcado pela
autonomia, pela realização pessoal e pela participação consciente na sociedade
e na história.
De acordo com o Censo de 2010, há mais de 37 milhões
de brasileiros na faixa etária entre os 14 e 24 anos. É nessa fase da vida, que
definimos como fase da juventude, que ela desperta a maior atenção de toda a
sociedade contemporânea: nos espaços acadêmicos, nas políticas públicas, nos
apelos comerciais, no esporte, na política partidária e na religião.
É essa força jovem que permite,
especialmente nos grandes centros urbanos, reunir condições e capacidade de
mobilização na luta por transformações, pelo novo, pela realização de seus desejos,
sonhos e utopias,muitas vezes já adormecidos na vida do adulto.
A juventude de hoje está diante
de desafios ainda maiores do que no passado: a consciência da necessidade de
formação qualificada; a luta por um lugar para o exercício profissional num
mundo de um mercado cada vez mais competitivo e exigente; as tentações da fuga
para a droga, para a prostituição e para a religião, nos momentos de fracasso.
Pode parecer estranho, mas a religião, em muitos casos, é uma fonte de fuga e
alienação. Em outros, ela não merece confiança para o jovem, que tenta
encontrar respostas para as suas inquietações em outras fontes.
Ademais, diante da constatação da
existência de um mundo real, em transformações estupendas, econômicas, sociais,
científicas e tecnológicas, muitas vezes o jovem (e não só ele) é induzido a um
sentimento desolidão existencial sem precedentes na história.
Os desafios imensos, as tentações
gigantescas, o sentimento de solidão, colocam o jovem numa encruzilhada séria
de vida, em que a opção pode resultar na destruição de sua própria vida ou em
sua realização plena. E a vida é um bem precioso, inalienável e sagrado.
Mas não só. As conquistas do mundo atual e o
ingresso da sociedade na pós-modernidade têm levado o ser humano, e em especial
o jovem, a observar que hoje não somente a religião, mas também a ciência tem
formas de explicar a vida, os fenômenos humanos e do mundo. Assim, tudo parecia
estar explicado e Marx e Nietzsche tinham razão. Deus havia perdido o lugar na
vida humana. O religioso cedia lugar ao
secular.
Mas eis que a religião volta a ocupar espaço na
vida humana, agora até em novas formas de relacionamento com o divino, em
espaços comuns, fora dos lugares sagrados, mas que inspiram e enlevam, como na
praia e no campo, em casa e nas praças públicas, numa demonstração de que a fé
é uma realidade existencial, é uma experiência pessoal inerente ao ser humano.
Creio não existir incompatibilidade entre
juventude e religiosidade. A religião faz parte da sua vida, compõe a sua
identidade, ajuda-o na construção de sua cosmovisão do mundo e da sociedade. Essa
construção, entretanto,se dá do jeito do jovem, ao seu modo, com a criação de
formas inovadoras de expressar e de se relacionar com o divino.
Do lado da religião, é possível
afirmar que em todas elas há um lugar especial para o jovem. Tradicionalmente há
uma expectativa de sua adesão ao sacerdócio, ingresso em ordens religiosas, envolvimento
em eventos de massa, em projetos pioneiros, aceite desafios e se submeta a
sacrifícios.
E o mundo religioso tem se
mobilizado. Ele oferece ao jovem uma infinidade de propostas, que inclui uma
lista extensa de ofertas e exigências, a começar pela Igreja Católica, prosseguindo
com as igrejas protestantes tradicionais, as igrejas pentecostais, as igrejas
neo-pentecostais mais recentes, o islamismo, o budismo, o judaísmo, as
religiões de origem asiática, o espiritismo, as religiões afro-brasileiras, as
novas religiões, como o Santo Daime, Nova Era, além do fenômeno religioso atual
da dupla e da múltipla pertença.
A dificuldade ou o impasse entre o jovem e a religião
institucional reside nas exigências para o seguimento, como dogmas, doutrinas, normas,
regras, etc. Não é, pois, sem razão, que cheguem a muitos milhões os jovens
brasileiros sem-religião e os ateus, como bem demonstra o Censo de 2010, que
constatou a existência de cerca de 15% de jovens sem religião e 2% de ateus, um
contingente em torno de 30 milhões.
O universo da juventude de hoje, visto sob o olhar
religioso, compreende quatro grupos diferentes: os religiosos confessionais, os
religiosos sem vinculação religiosa oficial, os sem religião e os ateus. Tenho
sido testemunha de muitos exemplos dos diversos grupos que estou citando.
Há de se registrar, em termos positivos, que o seguimento
religioso, não deixa de ser positivo para o jovem. É fato que nas escolas e
universidades, nos grupos sociais e na participação em organizações da
sociedade, jovens que cultivam a vida religiosa se revelam mais sociáveis, mais
desembaraçados no falar e com maior capacidade de sustentação de argumentos em
debates, facilitando a sua vida mais tarde no exercício de atividades
profissionais e de mobilização social.
Também a experiência religiosa ajuda o jovem a assumir
valores e práticas com a solidariedade, a valorização da vida, a ecologia e os
direitos humanos, entre outros.
No mundo cristão há muita dificuldade no acolhimento
do jovem. Algumas igrejas não entraram ainda no mundo real e outras perderam o
senso de ética e justiça. E usam recursos diversos para a conquista da
juventude. Os exemplos saltam aos nossos olhos, como a realização de grandes
eventos musicais, no estilo dos shows Gospel, acampamentos, encontros nacionais
e internacionais, como a Jornada Mundial da Juventude a ser realizada pela
Igreja Católica em julho próximo, no Rio de Janeiro, com uma expectativa de
participação de 500 mil jovens de todo o mundo.
Outros exemplos são de igrejas que não fazem
concessões e estão sobrevivendo, com adesões de jovens que se entregam aos
apelos religiosos. Defendem modelos tradicionais, fundamentalistas, que tentam
submeter o jovema suas doutrinas, como
são conhecidos os casos sobre moral
sexual e normas de conduta, presentes nos discursos católicos e em algumas
vertentes protestantes.
Esse quadro geral dificulta a fidelidade do jovem a
uma confissão religiosa. A resposta que temos é o afastamentoe a criação de
modelos particulares de expressão de sua fé.
Um exemplo interessante está numa
pesquisa realizada em 2008, pelo teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da PUC de São
Paulo, sob o título “Religiosidade Jovem”, indicava que, de 520 universitários
entrevistados, de 17 a
25 anos, 32% eram jovens sem religião.
Dos jovens sem religião da pesquisa, 12,2% se declararam agnósticos ou
ateus e 19,8% crentes sem religião.
Algumas pesquisas que tenho
acompanhado, textos que tenho lido, campanhas que tenho participado, a
convivência com muitas religiões aqui na Bahia, em outras regiões do Brasil e
fora do país, e a experiências de mais de quatro décadas de serviço pastoral me
levam a crer que temos uma geração de jovens que dão valor à vida religiosa e a
cultivam à sua maneira, ou em pequenos grupos, sem a preocupação de uma relação
mais comprometida com uma expressão de fé oficial.
A religião ocupa espaço em sua
vida e lhe provoca sentimentos místicos de adoração e de projeção para o
transcendente. Ele, com elevadas exceções, pouco se enquadra no estreito espaço
de uma confissão religiosa.
Salvador, Bahia, maio
de 2013.
Pr. Djalma Torres
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